A LAMA E AS FLORES
Na última crônica escrevi sobre a Stéfani. Ela tem 14 anos e mora na Casa Lar Pe. Oscar Bertholdo. Ela quer o melhor presente do mundo, uma família que a ame e a aceite do jeitinho que ela é.
Sou juiz e tenho acesso ao Cadastro Nacional de Adoção – CNA. A Stéfani consta no CNA. Ao lado do nome aparece (11). Cliquei no (11) e abriu uma tela com 11 nomes. São os habilitados que têm interesse em adotar uma menina de 14 anos, sem irmãos, sem problemas de saúde, comportada e educada.
Apenas 11. Os primeiros 10 são brasileiros. Todos têm registros de ocorrências junto ao seu cadastro: já adotaram ou foram cadastrados de forma equivocada. Nenhum deles tem efetivo interesse. O 11º é um casal italiano – tem ocorrência: aceita irmãos, mas menores de 14 anos.
Acreditem! Em todo o Brasil, não há nenhum habilitado que queira adotar uma menina de 14 anos.
Levei, de imediato, o assunto ao conhecimento dos meus filhos Júlia (15) e Murilo (13) e expliquei o caso. Pedi, humildemente, que aceitem os pais que eles têm. Do contrário, ninguém os quererá adotar. A Mariana (2), minha terceira filha, teria melhor sorte.
A Stéfani nasceu em 2002. Fiz um teste: alterei o ano para 2006. Ela teria 10 anos. O número entre parênteses saltou para (90), haveria 90 interessados em adotá-la.
Novo teste: alterei o ano para 2012. Ela teria 04 anos (dez anos a menos). O número saltou para (4.412).
Alterei para 2016. Ela teria 09 meses. O número saltou para (14.586).
Os números falam por si sós. Causam uma dor de chuva caindo sem parar, uma dor sem pai e sem mãe. Talvez, depois da chuva, nasçam novas ervas e flores para a primavera e minhocas para os passarinhos.
Cheguei à conclusão que a Stéfani nasceu 14 anos antes do tempo.
Ainda assim, tenho certeza que, em meio a todos esses números, haverá um número ideal para ela. Alguém que a adote porque ela é uma filha tudo de bom. Porque estes números levam à ignorância e ao barro; mas a lama, bem trabalhada, é propícia às flores.
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